Saturday, May 28, 2011

Adeus



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora dizes: meu amor...
                                      já não se passa absolutamente nada.

                                       E, no entanto, antes das palavras gastas,
                                      tenho a certeza
                                     de que todas as coisas estremeciam
                                    só de murmurares o meu nome
                                   no silêncio do teu coração.

                                 Não temos nada que dar.
                                 Dentro de ti
                              Não há nada que me peça água.
                              O passado é inútil como um trapo.
                             E já te disse: as palavras estão gastas.

                                Adeus.